domingo, 18 de abril de 2021

Metaplasia Neuronal




Metaplasia é definida como uma modificação a nível celular, reversível, encontrada em superfícies epiteliais, ou mesenquimais, machucadas repetidamente e que, de tanto incorrerem no processo de restauração, entram em confusão durante a diferenciação celular, sendo substituídas por células de mesma linhagem. A Metaplasia também é compreendida como uma etapa da cascata carcinogênica, estando um nível de gravidade acima da atrofia, e um nível abaixo da displasia, que, por sua vez, é irreversível.

Neuronal é um termo definido no dicionário como aquilo que está relacionado aos neurônios. Byung-Chul Han, descreve em seu super "in voga"  " A sociedade do cansaço", o século XXI  como um período neuronal, no qual, diferentemente dos períodos bacteriológicos, ou virais precedentes, caracterizados pela reação imunossupressora do organismo, de mobilização e combate a um corpo estranho, não há mais estranhamento, mas inclusão.

Apesar de todo o jargão inicialmente biológico, todos esses conceitos não são entendidos como restritos unicamente a esse aspecto. Eles se estendem por toda a malha social, afetando todas as relações humanas modernas de maneira imprevisível.

Isso porque, estranho e diferente não são sinônimos. Ao primeiro há reação imune, ao segundo não. Então, de repente, o diferente se torna igual e tudo se transforma  no mesmo, a negação do que deveria ser diferente, passa a ser a negação de si.

A falta dessa capacidade de resposta imune decorre do que Byung denomina de violência da positividade, que desencadeia síndromes e transtornos psicológicos como Burnout e Tdah.

Esse excesso de positividade retira progressivamente a negação como processo de filtragem daquilo que possivelmente se tornará nocivo à psiquê e leva à ausência de alteridade.

Essa violência, de origem virtual e viral, é o que se verifica hoje por todas as redes sociais as quais temos acesso.

Desta maneira, o inimigo Baudrillardiano, que primeiramente nos aparece na figura de lobo, se transforma em rato, em seguida em besouro diminuindo cada vez mais, até transmutar-se em um vírus, não apenas biológico, mas virtual, na forma de vídeo, posicionamento, discurso político viral, que adentra nossas defesas cognoscíveis sem que nem nos apercebamos, em determinado momento, o entendemos como parte componente nossa e inicia-se o processo de autoflagelação.

Há, portanto, "um parentesco entre virtualidade e viralidade".


Para o artista, esse processo inicia  quando passa-se a observar a vida e deixa de viver.

Assim como quando o abismo te olha de volta.

Ele se torna o abismo.

E nesse momento em que a vida é tão triste e descabida é que a arte entra em parafuso.

Tornando cada respiração na compressão de uma prensa hidráulica de 200 toneladas.

A existência se torna intragável como dizia Clarice.

Não suporto a mim mesmo, aos meus trejeitos. Nem creio que, tão cedo, algo vá mudar.

Esse é o desespero artístico.

A inspiração inconsciente responde com um grito de socorro.

E começa a questionar a si mesma:

Quantas vezes ainda? Tem de ser dito?

Que o caminho é para além da reprodução?

Quantas vezes ainda ter de ouvir o mesmo refrão?

De que o estranho é necessário e ainda assim, fazer o igual?

O limítrofe em cada estrofe.

Viver passa a ser uma série de movimentos mecânicos orgânicos e repetitivos, que causam a lesão de novo e de novo e consequentemente a metaplasia neuronal.

Subitamente, não sei mais dizer o que faz ou não parte da minha personalidade.

É peremptório a necessidade de reconhecer o estranho. E de dizer não a ele. Se a resposta para tudo for encontrada na diferença, tudo se tornará verdade e quando menos percebermos, passaremos a displasia e ao câncer, subitamente, sem notar, estaremos gritando coisas do tipo: "mito", em uma esquina qualquer.


Júlio César

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